Há Cada Vez Mais Gente a Mexer no Nosso Queijo

quinta, 09 agosto 2018 21:25 Escrito por 

PARTE 2/14: A Produção 

O elevado peso das vendas na distribuição moderna pressiona as principais empresas do sector para a produção de queijos muito massificados, nas gamas que correspondem às principais referências consumidas: o queijo flamengo à cabeça, os chamados queijos-prato fabricados com leite de vaca ou com misturas de leite, mas com predominância de leite de vaca, os queijos frescos e requeijões mais comuns.

Algumas dessas empresas tentam, uma vez por outra, lançar queijos diferenciados, mas, em geral, apostam pouco na sua comunicação e no esforço de conduzir o consumidor português a introduzir o queijo na sua alimentação através de outros momentos de consumo.
Por outro lado, existe um largo número de pequenos ou muito pequenos produtores que, em pequenas unidades industriais ou em instalações ‘caseiras’, levam a cabo pequenas produções industrializadas, mas também produções de cariz artesanal ou semi-artesanal.

Muitas destas unidades são ou mono-produto ou especializadas num pequeno conjunto de referências, muitas vezes de excelente qualidade, mas com variações significativas ao longo do tempo, justificadas pelas variações da matéria-prima, mas também, em demasiados casos, pelo ausência de formação para lá dos conhecimentos que vão passando de pais para filhos, de mestre para aprendiz.

A ausência de formação e de locais/entidades que a promovam de forma consistente, continuada e profissional é uma das maiores lacunas do sector produtivo em Portugal. É também um dos maiores obstáculos a que o sector tente outros caminhos que não sejam apenas o dos produtos mais comuns, massificados e banalizados, ou o dos tradicionais queijos com denominações protegidas, óbvio património do sector, representativos da nossa geografia, cultura e saber, mas também um espartilho ao nível das características, território de purismos exacerbados e, infelizmente, feudo de uns quantos.

Usando o paralelismo, o sector automóvel não seria dinâmico e inovador se vivesse apenas dos Clios e dos Corsas e não teria dimensão crítica nem sobreviveria economicamente se vivesse apenas dos Bentleys e dos Lamborghinis. O sector do queijo em Portugal, tal como acontece noutras partes do mundo, tem que desenvolver os seus Talismans, Prius e Insígnias e apostar na democratização dos Mercedes, Audis e Volvos.

Um fenómeno usual que verifico nas muitas vezes que falo com os produtores é o exagerado exaltar da extraordinária qualidade dos seus próprios queijos, mas em simultâneo o desconhecimento, muitas vezes profundo, da concorrência, seja daquela que lhe está mais próxima, seja daquela que ele nem sequer reconhece porque desconhece.

Há, infelizmente, no sector, demasiados amantes do seu queijo, mas poucos apreciadores e conhecedores do queijo. E isso reflecte-se na escassez de inovação ao nível dos produtos colocados no mercado, na baixa aposta em produtos diferenciados, na incapacidade de resgatar características de queijos produzidos noutras paragens e tentar vias alternativas para que tenham um toque português ou que possam ser melhor adaptados às preferências dos consumidores nacionais.

Existe, igualmente, a dificuldade associada a alguma escassez de leite, em especial leite de pequenos ruminantes, seja pelas dificuldades conjunturais do território (por exemplo associadas ao fenómeno dos incêndios), seja pelo abandono de produção de muitos pastores, seja pelo comodismo de algumas empresas, que preferem recorrer ao abastecimento do leite que necessitam e quando necessitam, em detrimento do fomento da produção de proximidade, obviamente mais trabalhosa e geradora de algumas tensões associadas  ao preço pago pela matéria-prima, às questões de saúde animal ou à qualidade mínima exigida.

Apesar disso, começam a surgir empresas que não obstante a sua menor dimensão e o formato artesanal da sua produção, apresentam consistentemente produtos de muito boa qualidade, gustativa e visual. Há também diversos queijos de produção industrializada, mas de excelente qualidade. São por vezes penalizados pelo facto de estarem presentes nas principais cadeias de supermercados, o que lhes dá um cunho um pouco mais massificado e alguma dificuldade de expressar essa qualidade a nível de preço, mas que nem por isso deixam de merecer um lugar de destaque nas melhores tábuas de queijos portugueses.

Também surgem unidades de transformação de pequena dimensão ligadas a explorações leiteiras que, muitas vezes, cansadas das condições em que o seu leite é pago, enveredam pela respectiva utilização no fabrico de queijo, mas que, com raras excepções, acabam por trazer pouca inovação e diversidade, tendendo a copiar modelos de suposto sucesso, mas que à escala que produzem não geram os resultados económicos esperados.

Há, finalmente, alguns projectos – uns com mais pernas para andar do que outros – que tentam produzir queijos bastante diferenciados, alguns baseados em tradições de outros países, outros em que adicionam ao queijo outros ingredientes (ervas aromáticas e especiarias, frutas, produtos cárneos e fumados,…) dando-lhes um perfil de sabor bastante distinto e outros ainda com uma base mais genuinamente portuguesa, mas que conseguem captar a crescente atenção dos apreciadores.

São, infelizmente, muito poucos os consultores a que uma qualquer pequena empresa possa recorrer se pretender desenvolver novos produtos, ainda que o ‘novo’ aqui possa significar o transportar para Portugal variações de produtos reconhecidos e de qualidade de outros países. E essa escassez de pessoas, adicionada à já referida escassez de oferta de formação, condiciona sobremaneira o presente do sector do queijo em Portugal e, obviamente, o seu futuro.

Continua... 

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