Há Cada Vez Mais Gente a Mexer no Nosso Queijo

segunda, 13 agosto 2018 19:13 Escrito por 

PARTE 3/14: A Comercialização 

A comercialização do queijo apresenta um razoável grau de complexidade e tem vários aspectos que, muito em especial nas empresas de menor dimensão, levantam dificuldades e potenciam perdas importantes.

Desde logo, há um período pré-definido – estabelecido pelo respectivo tempo mínimo de cura – que medeia entre a recepção ou a compra do leite e a possibilidade de colocação do queijo no mercado.

Mas se para alguns queijos, mais tempo de cura, significa um refinar das suas qualidades, valorizando-o, para outros a ultrapassagem do ponto crítico de maturação corresponde a uma degradação (se não real, pelo menos a percebida pelo consumidor) e a uma desvalorização ou mesmo, em certas circunstâncias, a perda total do produto, porque o queijo deixa de ser vendável.

Depois, não deve ser esquecido que a maturação do queijo se faz, entre outros aspectos, pela respectiva perda de humidade, o que significa que mesmo naqueles em que a maturação é razoavelmente valorizada, ao aumento potencial do preço de venda, temos que contrapor a (significativa) perda de peso que o queijo sofre durante o processo.

Refira-se ainda que, mesmo num país como Portugal, de pequena dimensão e hábitos de consumo relativamente homogéneos, as preferências em matéria de queijo variam fortemente de Norte para Sul, seja na maturação, seja no paladar, seja mesmo no tipo de queijos mais consumidos. E recordo sempre a frase, célebre, de um dos principais mentores da produção de queijo em Portugal, o irlandês Patrick Keating, que desenvolveu larga parcela do seu trajecto profissional no nosso país, onde residiu e veio a falecer. Dizia ele que os Portugueses, e referia-se em especial à metade norte do país, “gostam de queijo molinho, molinho, a saber a coisa nenhuma”. E, de certa forma, esta é uma regra que ainda não foi totalmente alterada.

A isto soma-se, por exemplo, a enorme dificuldade em realizar uma logística eficiente e com custo aceitável. Excepção feita às grandes empresas do sector, que optaram há muito por subcontratar com os grandes operadores logísticos as suas entregas (em especial as efectuadas nas plataformas de centralização das principais cadeias de distribuição), a maior parte das empresas de menor dimensão, para além das rotas que realizam (geralmente de proximidade) em viaturas próprias, acaba por recorrer a um número limitadíssimo de operadores que realizam transporte em frio e entregas capilares.

O custo dessas entregas raia o absurdo e a qualidade de serviço é, sistematicamente, deplorável. E isso não apenas introduz um sobrecusto irrealista ao queijo – pode facilmente significar, para pequenas entregas, mais de um euro por quilo - como confere ainda uma forte insegurança quanto a prazos de entrega.

No caso das empresas que trabalham mais amplamente com a moderna distribuição, a degradação da condições económicas de fornecimento cria sérias dificuldades a nível de rentabilidade, sendo que os volumes transaccionados, apesar de muito interessantes e geradores de capacidade de diluição de custos fixos, não são, em muitos casos, suficientes para gerar uma contribuição expressiva para as contas da empresa.

E há a tentação de tentar recuperar, junto dos clientes de menor dimensão, a rentabilidade não conquistada nos grandes clientes. Dessa forma, e considerando as margens expressivas que, quer os grandes retalhistas, quer o pequeno comércio, aplicam na venda do queijo, é óbvio que as lojas de menor dimensão se tornam, a nível de preço, fortemente descompetitivas e se querem permanecer no mercado têm que encontrar argumentos alternativos, seja ao nível do sortido, seja ao nível do serviço.

É também por isso que algumas empresas, apesar de conscientes de que, face à sua menor dimensão, não podem investir eficazmente numa multitude de marcas, percebem, apesar de tudo, que é importante trabalhar marcas diferentes em canais de comercialização distintos. Uma marca com presença muito visível nos grandes supermercados, por uma questão de massificação e de comparativo-preço, torna-se – independentemente da sua qualidade - menos interessante para o pequeno comércio especializado.

Daí algumas terem apostado em marcas distintas (como podem ser também gamas distintas ou packaging distinto) para criar atractividade para os seus produtos em clientes, que apesar de menos relevantes em termos de volume, podem ser bastante interessantes em termos de rentabilidade, de reputação ou de menor dependência de um conjunto limitado de distribuidores.

Essas empresas de dimensão mais reduzida possuem também, por essa razão, um diminuto número de colaboradores, sendo que proprietário e funcionários estão, em geral, muito mais vocacionados para a produção (sempre muito trabalhosa) do que mais especificamente para a comercialização dos seus queijos. Muitas destas empresas não possuem, na realidade, uma estrutura comercial. Isto limita a presença dos seus produtos no mercado e, de certo modo, as condições em que são transaccionados.

Finalmente e em especial quando falamos de queijos fabricados a partir de leite cru de pequenos ruminantes há ainda um outro conceito, muito vulgarizado em países mais conhecedores, mas que em Portugal ainda não faz escola. Falamos do conceito de sazonalidade de consumo associada à sazonalidade de produção. Esta seria uma forma interessante de fazer a gestão da escassez, valorizando o produto, habituando o consumidor às características do queijo no seu melhor momento, criando-lhe a vontade de repetir o consumo no momento adequado.

Continua... 

ATENÇÃO: Este site utiliza cookies, que usamos apenas para fins estatísticos, de forma a podermos melhorar a sua utilização.